Com colaboração, vídeo e edição de imagens de André Soares
Neste 8 de março, eu peço licença. Um pedido para ousar transmitir o que ouvi sobre esse dia que tanto representa uma luta incansável. A data, na verdade, representa os 364 dias do ano de luta diária – por respeito, dignidade, espaços, representatividade e tantos outros direitos inquestionáveis.
O Dia Internacional da Mulher refere-se às várias as mulheres que habitam o mundo. São elas brancas, negras, indígenas, ricas, pobres, héteros, lésbicas, bissexuais… Os matizes são incontáveis, a pluralidade é marca genuína das mulheres. E que lindo ser assim! Dia 8 de Março é o dia de todas elas. E também é dia de Estrela Barbosa e Marquesa Santos, mulheres trans. É dia também das mulheres trans, de todas elas.
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O PorAqui conversou com as duas sobre o que é ser mulher trans nos dias de hoje e o que o 8 de Março significa para elas. Agradecemos às duas pelos depoimentos. Também ao Instituto Boa Vista, por mediar esse encontro, e ao Clube Metrópole, que cedeu o seu jardim para a gente bater esse papo com essas duas pessoas lindas, fortes, e determinadas.
“Eu fui em busca do ‘sim’”
Estrela Barbosa tem 33 anos e mora em Santo Amaro. É militante da causa LGBT há 10 anos, faz parte da coordenação da NATRAPE (Nova Associação de Travestis, Transexuais e Transformistas de Pernambuco) e é estudante, depois de 17 anos afastada das salas de aula. “Aos 16 anos, quando comecei minha transição, fui expulsa da escola porque resolvi ir de saia”, lembra. A partir daí, uma busca pela sua essência teve um tanto de percalços, lutas e descobertas.
Marquesa Santos tem 42 anos é de Nova Descoberta. É agente social na Prefeitura do Recife e trabalha diretamente com a população LGBT e com pessoas em situação de vulnerabilidade – álcool e outras drogas, e vínculos familiares rompidos. Seu processo de transição também se deu aos 16 anos e foi envolvido por muito medo. Medo da aceitação, medo do mundo que a aguardava e que poderia ser impiedoso com uma escolha tão sua: ser, de fato e plenamente, quem ela era de verdade.

“Sempre tive certeza do que eu queria ser, desde criança. Eu já me via no feminino”, diz Estrela. Quando foi expulsa da escola e se viu sem norte, o caminho da prostituição foi inevitável. Nesse período, tentou a hormonização, que não surtiu efeito. Com o dinheiro de um programa, acabou implantando silicone industrial.
“Eu me olhava no espelho e faltava algo: era o peito. Era essa coisa do ego feminino mesmo”, conta ela. Já para Marquesa, a transição física foi mais conflituosa. Por algum tempo, era meio menino, meio menina. Mas o incômodo com isso a fez se lançar.
“Ser ou não ser? Vestir a camisa ou rasgar? Então, pensei: o ‘não’ eu já tenho. Então, eu fui em busca do ‘sim’, que, hoje, eu tenho. E foi tudo muito melhor pra mim: amigos, trabalho, faculdade”, diz Marquesa, que cursou Pedagogia.
Para elas, a empregabilidade para a mulher trans ainda é um desafio gigante a ser enfrentado. “Como é que a população trans vai sair da margem se não se tem projeto ou qualificação?”, questiona Estrela.
E o perigo iminente que muitos olhares e pensamentos enviesados ainda simbolizam. “A gente sabe que não é fácil viver nesse mundo, com a violência, o homicídio. Já perdemos várias amigas por conta da homofobia”, confessa Marquesa.
Passos à frente
Mas ambas acreditam que o mundo de hoje, apesar de ainda não ser o ideal para as mulheres trans, já deu alguns passos. “Os tabus estão sendo quebrados, estamos sendo mais aceitas. As pessoas estão começando a compreender mais”, diz Marquesa.
“A internet, os movimentos sociais e até a mídia vêm ajudando nisso”, endossa Estrela. “O jovem que vem hoje já vem com outra cabeça” continua. “Se a população LGBT tá crescendo, esse tema vai ser cada vez mais presente. E a gente vai mostrando a cara, matando um leão por dia”.
“Ser mulher não é só se vestir de mulher”, diz Estrela. E ser mulher trans, para elas, é reafirmar diariamente a sua existência legítima, num mundo onde ainda não basta apenas ser. Não basta apenas o direito de ser quem se é.
“Somos humanas, o coração bate e o sangue corre na veia. Não queremos ser melhores ou piores do que ninguém. Queremos ser empoderadas e reconhecidas como mulheres trans”, deseja Marquesa.
Foi incrível ouvir vocês, Estrela e Marquesa. Feliz Dia das Mulheres para vocês e para todas iguais e diferentes de vocês.
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UTILIDADE PÚBLICA: Para pessoas que mulheres trans que estão no processo de transição, Estrela e Marquesa indicam uma visita ao Ambulatório LGBT – Patrícia Gomes, que fica na Policlínica Lessa de Andrade, (Estrada dos Remédios, 2426 – Madalena) e o Espaço Trans, no Hospital das Clínicas (UFPE)